Resenha: Amor líquido, uma análise sobre relacionamentos contemporâneos

        Amor líquido, de Zygmunt Bauman analisa a teoria da modernidade líquida, na perspectiva das relações humanas. Bauman propõe um amor cercado pela lógica do consumo e cada vez mais envolto na digitalização, advinda da evolução da tecnologia. Antes de começarmos a leitura podemos pensar algumas questões: com que objetivo procuramos um parceiro (ou parceiros)? Relacionamentos podem ser objetos de compra e descarte? Qual a maneira mais rápida de se terminar um relacionamento numa sociedade líquido- moderna?

      

  Só para contextualizar o momento o qual este livro analisa e propõe reflexões, vamos fazer uma breve retomada de alguns períodos históricos. A humanidade passou por certas fases ao longo de sua evolução, e ao entrar no que interpretamos como história, passou por períodos que se diferenciam em contextos sociais, estruturais, no âmbito da cultura. Temos por exemplo a idade média, que foi uma época de obscurantismo, trevas do pensamento racional e onde a razão era abafada pelo misticismo. A idade moderna, logo depois, de forma bem resumida, teve como seu ponto alto a ampliação da forma de produção industrial, o que favoreceu o desenvolvimento do sistema capitalista. Até finalmente chegarmos ao momento em que estamos atualmente. A idade contemporânea, como é chamado o nosso presente se divide em dois momentos, modernidade e pós-modernidade.

     

   A pós-modernidade trata-se de um momento de constantes mudanças onde nada é permanente, e embora este tempo em que vivemos ainda não tenha uma definição final que o descreva completamente, diferentes teóricos analisam e estudam os fenômenos que o circulam, para nos aproximar ao máximo de uma definição. A ideia de pós se resume em algo que vem depois, e se liga também à ideia de superação do que é anterior – neste caso, a modernidade. Dentro das análises sobre o período em que vivemos existem muitos olhares distintos, de autores que analisam seus acontecimentos, fenômenos, para descrevê-los e até supor o que tende a vir depois. Um dos teóricos que pensou a pós- modernidade foi o sociólogo Zygmunt Bauman (2004). Bauman propõe que não abandonamos por completo a modernidade, mas sim, que estamos vivendo um momento de continuação desse período. O autor nomeia o presente momento como modernidade líquida. Para ele o que uma vez foi “sólido” derreteu, transformando este tempo em líquido, ele lembra que essa transformação não chega ao ponto de desintegrar e abandonar o passado, como outros autores defendem, mas ao ponto de perder a forma rígida que possuía. Podemos pensar essa teoria com a analogia da água congelada que, quando derretida, não deixa de ser o que é, mas se transforma, aderindo à uma forma inconstante, que se molda e ocupa um volume que o gelo não ocuparia e é isso o que o tempo presente significa, uma liquefação de valores, hábitos, estruturas.

      

          De acordo com o autor, a liquidez da modernidade é um fenômeno que pode ser percebido em todos os aspectos da vida social. Os relacionamentos, como parte do contexto humano não ficam de fora. Para Bauman, uma das principais características que permeia a vida líquido- moderna é a lógica do consumo. Essa lógica do consumo começa a consolidar suas bases lá na revolução industrial, em meados do século XVIII, com base nela, tudo pode ser transformado em objeto de consumo, tudo sempre pode ser comprado, e principalmente, tudo pode ser substituído por algo mais inovador. Os relacionamentos fazem parte desse contexto e não estão distantes dessa lógica, para que possamos compreender sua relação com o consumo podemos refletir na seguinte questão: por que procuramos relacionamentos, no sentido romântico da palavra? Em Amor líquido, Bauman procura responder essa entre outras questões. Sua principal visão é de que as pessoas procuram umas às outras para que possam se realizar – ou apenas fugir do medo e da solidão e, portanto, encontrar a felicidade, que é o objetivo de todo e qualquer objeto de consumo. Para o autor, um relacionamento serve para completar o espaço vazio que o ser humano tem, mas não que este possa ser preenchido de fato. A ideia do amor como consumo parte daí. Na lógica do consumo somos orientados a nunca estar satisfeitos, ou seja, um novo produto, com uma funcionalidade a mais, pode facilmente substituir aquilo que está sendo usado, sempre há uma nova oferta e isso alimenta a insatisfação.

      

  Bauman vai falar sobre diferentes relacionamentos, familiar, romântico, maternal, entre outros. Em Amor líquido vemos uma análise sobre os relacionamentos atuais, onde ele irá tratar da inconsistência do mundo líquido- moderno, mas mais especificamente, sobre a impermanência dos relacionamentos humanos no mundo líquido- moderno. Bauman faz uma análise das relações humanas dos mais diversos níveis, como elas ocorrem em sua maioria, e os objetivos que levam o ser humano à buscar um parceiro, ou como ele mesmo nomeia, uma conexão. Ele afirma que no presente tempo, se uma pessoa encontra um relacionamento com o qual não se adapta, deve lembrar que sempre é possível voltar atrás e desfazer a conexão criada, sempre se pode apertar a tecla deletar. Assim como num produto que se compra em uma loja, se o cliente não fica satisfeito, pode devolver, trocar. Para o autor, no mundo líquido-moderno nada é feito para durar e a impermanência das coisas faz parte desse contexto. Diante do amor líquido deste tempo, o autor diz que juras de amor eterno e promessas de compromisso são irrelevantes à longo prazo, e que o “consumismo não se trata de adquirir bens, mas usá-los e descartá-los” (p.68). Neste tempo ninguém permanece muito tempo com algo, mas sim, tempo o suficiente para encontrar algo melhor, da mesma forma acontece com as relações humanas com outras pessoas. E diante da oferta de novas relações é possível escolher o que se adapta melhor no momento de agora, sempre mantendo na lembrança de que amanhã é outro dia e de que a tecla deletar está literalmente ao alcance das mãos.





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