Resenha: Bem- vindos à sociedade fabricada! Sejam felizes! (Isso não é uma escolha)
Postado
24/05/2021 12H26
"O mundo agora é estável. As pessoas são felizes, têm o que desejam e nunca desejam o que não podem ter". p.264
O livro traz como cenário nossa
sociedade no
futuro, numa época onde a ciência e
a tecnologia evoluíram
de tal maneira, que agora a humanidade é criada em
laboratório. Evoluiu tanto, que o ser humano pode ser condicionado e
programado física e psicologicamente, desde a fase embrionária. Na
sociedade, os maiores princípios são Estabilidade, Comunidade e
Identidade. Não
existe mais tristeza, dor, ressentimentos, a felicidade está ao
alcance de uma pílula. E
certos valores antigos e desnecessários foram completamente
abandonados, agora, a humanidade é autossuficiente. A
única condição é que nossa sociedade finalmente chegou à
distopia. Essas
características
constituem
o cenário do livro Admirável mundo novo, de Aldous Huxley.
Uma obra distópica,
publicada em 1932 que representa, hipoteticamente, nossa sociedade no
futuro, num tempo onde ela é dominada pela tecnologia, pela ciência
e pela decadência.
Na
sociedade de Admirável, o ser humano é criado em laboratório, e as ideia de nascimento, de sistema vivíparo não existem mais. Ao serem produzidos, por
meio da engenharia genética, os humanos são condicionados e
predestinados a pertencerem em castas, que é como são divididos os
grupos humanos e a função que cada sujeito ocupará na sociedade.
As castas são formadas por Alfa, Beta, Gama, Delta e Ípsilon, cada
uma é constituída por um padrão distinto das outras, possuindo
graus diferentes de inteligência, capacidades, beleza. Os
Alfa representam a elite, são criados individualmente e em menor
número. Alfa é o grupo com os humanos mais inteligentes, altos,
carismáticos, belos. Os Ípsilon, por sua vez, são criados em
quantidades grandes de gêmeos idênticos para além de dois, três
humanos iguais, mas numa média de até 96 ao mesmo tempo – esse é
o processo Bokanovsky, um progresso da
sociedade. Ao serem criados, os Ípsilons recebem menos oxigênio,
isso os torna mais feios, miúdos e até mesmo retardados, ideais
para trabalhos menores, como a manipulação de máquinas e
engrenagens. 96 gêmeos idênticos, manipulando 96 máquinas
idênticas.
Após
o controle realizado nas fases embrionária e fetal, onde se
predestina a casta e certas características, os bebês passam por
alguns procedimentos de manipulação psicológica, através de
sistemas de condicionamento: o sistema de hipnopedia e o sistema
neopavloviano. Dessa forma, são persuadidos com informações
referentes à constituição moral, às aptidões e aos perfis
psicológicos que terão, respectivos à casta a qual vão pertencer.
Esses procedimentos, cujas tarefas são, respectivamente, a repetição
de informações durante o sono e a manipulação por meio da dor,
também condicionam o sujeito a estar satisfeito com a sua condição,
independente de qual for. São maneiras de manter a estabilidade
social.
Nós
acompanhamos
Bernard Marx, Lenina
Crowne e John. Marx
é psicólogo,
especialista em
hipnopedia. Ele é um
Alfa-Mais,
mas
diferente dos outros Alfas, é franzino, feio e até mesmo
considerado estranho,
por não seguir os padrões
físicos e psicológicos de sua casta.
Um
boato que corre acerca de
sua criação é que,
enquanto ele estava condicionado, alguém o confundiu com
um Gama e acrescentou álcool em seu pseudossangue,
esse erro teria
resultado
em suas características físicas semelhantes às
das castas inferiores. Como
já falamos, não são
apenas as características físicas que o distingue de outros Alfas,
Marx pensa e sente alguns
aspectos daquela sociedade de maneira diferente dos outros.
É habitual que
na sociedade de Admirável,
as
pessoas troquem
constantemente
de parceiros, já que
o erro e a aberração
seria manter
relacionamentos duradouros. Nessa
sociedade o sexo é o principal estímulo e
a principal recompensa humana,
praticado e incentivado desde que os sujeitos são bebês.
Entretanto, Marx não tem
uma
vida sexual ativa como todos
os outros, o que o
transforma em chacota aos
demais. Mas
Marx se sente atraído
especificamente por Lenina. Lenina
é uma Beta-Mais, aplica vacinas no Centro de Incubação e
Condicionamento e segue os
padrões de sua casta (sai
com diversos homens, sente-se satisfeita e
consome muitas doses de
Soma).
Em
certa ocasião, Marx
convida Lenina
para uma
visita à
Reserva
selvagem. Ao mesmo tempo
em que
tenta se aproximar de Lenina, Marx
também procura respostas
às suas inquietações, já que ele olha para sua sociedade e
para sua
condição com olhos
questionadores.
Ele cogita
possibilidades diferentes daquelas às quais as pessoas, e ele
próprio, são condicionados
desde a decantação. Os
pensamentos de Marx divergem do fluxo que a sociedade de Admirável
segue, e numa
sociedade utilitária, onde
cada sujeito têm uma função,
Bernard Marx pensa
como seria não ter utilidade nenhuma.
A
reserva selvagem se
localiza em Malpaís,
no Novo México. Lá as
pessoas são a parte da humanidade que ainda é “primitiva”, que
não passou pelas inovações científico-tecnológicas que a
sociedade de Admirável construiu e passou. A reserva é o lugar que
mais se assemelha com o
mundo do nosso presente,
lá ainda existem costumes, tradições, religiões, Deus. Na
reserva, diferentemente do Mundo novo,
não existe escape para a
dor, para a velhice, e lá,
o passado ainda
é lembrado e
cultivado. É
quando Bernard Marx e
Lenina viajam à reserva, mais
especificamente para um Pueblo
que vive lá, que conhecem
John, O Selvagem.
John é um jovem que vive
na reserva. Ele é
nascido, palavra extinta no Mundo
novo,
ao invés de ser criado e
decantado em tubos e
bocais, como as pessoas da
sociedade civilizada. John
foi gerado
à maneira “antiga”, com um pai e uma mãe. Sua
mãe chama-se Linda, mas a origem dela não é a reserva, ela é
criação do Mundo novo,
assim como Marx e Lenina. Após
um período de expedição e convivência, Marx e Lenina decidem
voltar à Londres, e
convidam John para seguir viagem com eles.
A
chegada do Selvagem a Londres gera
um grande tumulto
na civilização,
o interesse e a curiosidade das pessoas em torno
daquela
figura exótica tão
distinta cresce cada vez
mais. Entretanto,
a euforia dura pouco e as
divergências começam a gerar tensões. Quanto mais John conhece o
mundo moderno, suas
tecnologias,
seus hábitos, mais isso lhe causa repugnância e desconforto.
Vemos a partir desse ponto
que existem dois polos
distintos, com suas
origens, culturas, práticas.
De um lado uma sociedade
excessivamente organizada, que procura
manter a estabilidade a
qualquer custo. De outro, valores
parados no tempo,
crenças e ideais sem
qualquer tipo de formatação nova. Ambos os lados são extremos em
suas convicções, mas resta saber, quem vencerá no final? E quais
as possíveis consequências ao perdedor?
Algumas
reflexões
Vemos
na sociedade de Admirável um avanço gigantesco em questões de
ciência e tecnologia, mas alguns aspectos se tornam gritantes. O ser humano
tornou-se um produto, fabricado em larga escala e submetido ao bem-
estar e à estabilidade da sociedade, sem direito à liberdade. Mas o
problema não é a ciência e a tecnologia em si, mas a maneira como
elas são utilizadas por quem as comanda. No livro, a ciência e a
tecnologia chegaram a um ponto onde se tornaram a condução que
desumaniza a vida humana. A própria fabricação do ser humano é
pensada visando mais a quantidade do que a qualidade, o processo
Bokanovsky é um exemplo. Na medida em que se
cria uma sequência tão grande de seres humanos idênticos,
diminui-se a qualidade de pensamento, do raciocínio, entre outras
características. Esses grupos quantitativos são melhor utilizados
pela sociedade, para trabalhos mais pesados, como a manipulação de
máquinas por exemplo. Esse é o primeiro passo para fortalecer a
estabilidade, o segundo, é convencer as pessoas de que essa é a
melhor alternativa.
O
controle da sociedade se fortalece na medida em que os seres humanos
são criados com escolhas, ações, decisões e funções
predefinidas. A estabilidade, na medida que torna esses seres humanos
satisfeitos com suas condições, independente de quais sejam – que
é o processo que a hipnopedia faz. Portanto, a sociedade estável de
Admirável é criada, na medida em que a liberdade humana é anulada.
A identidade, que junto da estabilidade e da comunidade formam o lema
da sociedade Admirável, não se trata de o ser humano ser
individual, mas de ser um com a sociedade. Diante disso, do
condicionamento humano, o que é possível fazer para tornar as
pessoas contentes e lhes dar uma falsa sensação de autocontrole?
Além desses processos, temos ainda duas questões a
mais. A primeira é o estímulo do sexo desde o que nós entendemos
como infância. O sexo é o entretenimento de Admirável, serve como
uma maneira de manter a sociedade “feliz” e focada. Outro
elemento utilizado é o Soma, uma droga sintética que funciona como
uma pílula de felicidade, ele proporciona a ausência da dor. Em
baixas doses “amortece” qualquer sentimento que vá contra a
satisfação imposta – dor, tristeza, raiva –, e em doses altas,
induz uma espécie de coma. O ser humano de Admirável não pode
sentir dor, tristeza, pois isso atrapalha o fluxo do estável.
A
vida de Admirável, é imediata, não vive o futuro, e muito menos o
passado. O Soma alivia a dor e os sentimentos ruins de maneira
imediata. Podemos olhar para a nossa sociedade e fazer algumas
análises também. Esse imediatismo já não está presente nas
nossas práticas e na convivência que temos uns com os outros? Se o
celular demora para funcionar, o reiniciamos, se alguém demora para
nos responder uma mensagem, ligamos, isso é um estímulo para o
chamado mal do século – a ansiedade. Com a emersão da internet,
de novas tecnologias e das possibilidades que elas nos proporcionam,
desenvolvemos ainda mais a busca por facilidades, passamos a depender
do software da velocidade. O autor reflete no prefácio que o livro
vai falar sobre o futuro, e independente de suas qualidades artística
ou filosófica, um livro assim só servirá ao interesse do leitor se
suas profecias derem a impressão de poderem se realizar (p.10), o
que fortalece ainda mais essa ideia, na medida que vemos certas
características do presente como um início da tragédia. O
autor desde o início enfatiza que na sociedade de Admirável,
nada pode fugir da ordem. Se a família desestabiliza o ser humano,
vamos criá-lo in vitro e acabar com esse conceito, se a
tristeza desestabiliza o ser humano, criamos uma droga sintética que
a anula. Se precisamos arrancar a liberdade do indivíduo, então
vamos convencê-los de que essa é a melhor alternativa para o bem de
todos. Nada pode sair do controle, tudo está em nome da
estabilidade.
Admirável mundo novo é apenas um livro de ficção,
mas fala muito sobre nós, sobre nossas ações, sobre diferença,
preconceitos e sobre como a humanidade poderia acabar com a
humanidade. Um livro sobre futuro, mas principalmente, sobre o
presente. Uma obra clássica distópica, leitura obrigatória desse
gênero.
Categoria:Cultura