Resenha: Noites brancas - Fiódor Dostoiévski
Postado
12/06/2021 09H20
Ao
andar, triste e amargurado pelas noites brancas de São Petersburgo,
nosso jovem narrador conversa com a cidade, imerso em seus próprios
pensamentos. Ele observa, interpreta as reações imagéticas das
casas, dos prédios, da cidade que ele conhece como uma velha amiga,
mas sempre acompanhado da própria solidão. O narrador se autonomeia
como um sonhador, pois vive à mercê de pensamentos, devaneios e
lembranças em seu mundo particular. O título da obra, Noites
brancas se refere a um fenômeno natural que acontece no verão de
São Petersburgo, por volta do mês de julho. Onde o dia se torna
mais longo e a noite, clara por mais tempo. Ao se referir a esse
fenômeno, dialoga com o sentido visual ao qual o clima remete, um
clima tênue do sonhar acordado. Numa
de suas andanças solitárias, nosso narrador encontra uma moça, que
chora desconsolada à beira do parapeito do canal. Uma moça, de
chapéu amarelo, e de beleza jovial. Ele finalmente encontra uma
distração aos seus pensamentos, tem seu foco redirecionado de uma
caminhada solitária à uma bela e intrigante desconhecida. Ao tentar
uma aproximação, ele é ignorado. Quando a moça se movimenta para
ir embora, ele a segue. Após um incidente que acontece no caminho,
se aproxima novamente da moça e ela permite que ele segure sua mão.
Ele acompanha a moça até a casa dela, para leva-la em segurança
e impedir que o incidente se repita ao acaso novamente, os dois
conversam. E então, ao serem cativos na esperança de um próximo
encontro, os jovens se despedem.Romance sentimental (Das memórias de um sonhador) é o subtítulo da
obra. Ela caracteriza os devaneios que provém do amor jovem, que
sonha, idealiza, espera e tem em seu bem- amado uma grande distração.
O narrador, após o interesse desperto na estranha e, posteriormente,
a breve conversa que tiveram, chega a prometer que irá sonhar com a
desconhecida, pelos próximos dias, pelas próximas semanas, pelos
meses e anos que ainda virão, e também propõe a esperança de
vê-la novamente por uma segunda vez. De fato, eles se encontram, por
mais três noites e uma manhã. Chega um momento que a moça deixa de
ser estranha e até recebe um nome, Nástienka. Mas a jovem Nástienka
pode ser como uma flor, tanto para ser admirada na estrada
passageira, quanto para ser colhida e levada com cuidado.
Independente de seus destinos, e do desfecho da história, o sonho
permanece intocável. A
esperança do amor jovem é intensa, idealizadora, avassaladora e
infinita enquanto durar.
Agora,
aproveitando esse momento, traremos uma relação entre Noites
brancas, de Dostoiévski e o Soneto de fidelidade, de Vinícius de
Moraes. Antes de mais nada, o soneto:
De
tudo, ao meu amor serei atentoAntes,
e com tal zelo, e sempre, e tantoQue
mesmo em face do maior encantoDele
se encante mais meu pensamento.
Quero
vivê-lo em cada vão momentoE
em louvor hei de espalhar meu cantoE
rir meu riso e derramar meu prantoAo
seu pesar ou seu contentamento.
E
assim, quando mais tarde me procureQuem
sabe a morte, angústia de quem viveQuem
sabe a solidão, fim de quem ama
Eu
possa me dizer do amor (que tive):Que
não seja imortal, posto que é chamaMas
que seja infinito enquanto dure.
Ambos
os textos falam de amor, mas enquanto o de Noites brancas é jovem,
imaturo, precoce, vigoroso, animado, sonhador, o amor do Soneto de
fidelidade é maduro, realista, fiel. Mesmo assim, nenhum deixa de
ser intenso e entregue ao seu bem- amado, como se seu bem fosse o
mais profundo dos encantos. Ambos retratam o amor que sonha, idealiza
e se intensifica com o tempo, ambos querem seu amor durável, mesmo
que a infinitude seja apenas uma condição ideal. Os amores dão
atenção e buscam reconhecimento e serão intensos durante todo o
processo de duração que lhes for validado. O narrador de Noites
brancas, jura sonhar involuntariamente com a estranha a partir do
momento da despedida. Da mesma forma que a voz do soneto promete ser
atento ao seu bem- amado e dar-lhe um espaço que jamais será
preenchido por nada nem ninguém. O
elemento da solidão está presente em ambas as obras. O narrador de
Noites brancas idealiza a hipótese de que depois que seu amor for
embora, quase como uma certeza, tudo o que lhe restará será a
solidão, a mesma que lhe acompanhava antes de o amor aparecer, mas
isso, ele imagina antes mesmo de eles se encontrarem uma segunda vez,
como um devaneio idealizador. A voz do soneto afirma de maneira
realista que o fim acontecerá, mas que naquele momento, a veracidade
de seu sentimento de fato existe. A chama tende a diminuir de
intensidade com o tempo, ou até mesmo se apagar, já que nada é
para sempre, de qualquer forma, o fim será a solidão. O
soneto de fidelidade em seu último terceto fala sobre a infinitude
presente no amor finito. O bem- amado pode ir embora um dia, a chama
intensa da novidade pode se apagar, mas a intensidade, a fidelidade e
a entrega serão elementos presentes enquanto ele durar. Assim como o
amor de Noites brancas, apesar de viver sonhando e idealizando as
mais distintas possibilidades, jura a seu amor a mesma fidelidade e a
mesma intensidade até o final.
Categoria:Cultura