Resenha: Noites brancas - Fiódor Dostoiévski

            Ao andar, triste e amargurado pelas noites brancas de São Petersburgo, nosso jovem narrador conversa com a cidade, imerso em seus próprios pensamentos. Ele observa, interpreta as reações imagéticas das casas, dos prédios, da cidade que ele conhece como uma velha amiga, mas sempre acompanhado da própria solidão. O narrador se autonomeia como um sonhador, pois vive à mercê de pensamentos, devaneios e lembranças em seu mundo particular. O título da obra, Noites brancas se refere a um fenômeno natural que acontece no verão de São Petersburgo, por volta do mês de julho. Onde o dia se torna mais longo e a noite, clara por mais tempo. Ao se referir a esse fenômeno, dialoga com o sentido visual ao qual o clima remete, um clima tênue do sonhar acordado.
            
            Numa de suas andanças solitárias, nosso narrador encontra uma moça, que chora desconsolada à beira do parapeito do canal. Uma moça, de chapéu amarelo, e de beleza jovial. Ele finalmente encontra uma distração aos seus pensamentos, tem seu foco redirecionado de uma caminhada solitária à uma bela e intrigante desconhecida. Ao tentar uma aproximação, ele é ignorado. Quando a moça se movimenta para ir embora, ele a segue. Após um incidente que acontece no caminho, se aproxima novamente da moça e ela permite que ele segure sua mão. Ele acompanha a moça até a casa dela, para leva-la em segurança e impedir que o incidente se repita ao acaso novamente, os dois conversam. E então, ao serem cativos na esperança de um próximo encontro, os jovens se despedem.
Romance sentimental (Das memórias de um sonhador) é o subtítulo da obra. Ela caracteriza os devaneios que provém do amor jovem, que sonha, idealiza, espera e tem em seu bem- amado uma grande distração. O narrador, após o interesse desperto na estranha e, posteriormente, a breve conversa que tiveram, chega a prometer que irá sonhar com a desconhecida, pelos próximos dias, pelas próximas semanas, pelos meses e anos que ainda virão, e também propõe a esperança de vê-la novamente por uma segunda vez. De fato, eles se encontram, por mais três noites e uma manhã. Chega um momento que a moça deixa de ser estranha e até recebe um nome, Nástienka. Mas a jovem Nástienka pode ser como uma flor, tanto para ser admirada na estrada passageira, quanto para ser colhida e levada com cuidado. Independente de seus destinos, e do desfecho da história, o sonho permanece intocável.
A esperança do amor jovem é intensa, idealizadora, avassaladora e infinita enquanto durar.

            Agora, aproveitando esse momento, traremos uma relação entre Noites brancas, de Dostoiévski e o Soneto de fidelidade, de Vinícius de Moraes. Antes de mais nada, o soneto:    


De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.


            Ambos os textos falam de amor, mas enquanto o de Noites brancas é jovem, imaturo, precoce, vigoroso, animado, sonhador, o amor do Soneto de fidelidade é maduro, realista, fiel. Mesmo assim, nenhum deixa de ser intenso e entregue ao seu bem- amado, como se seu bem fosse o mais profundo dos encantos. Ambos retratam o amor que sonha, idealiza e se intensifica com o tempo, ambos querem seu amor durável, mesmo que a infinitude seja apenas uma condição ideal. Os amores dão atenção e buscam reconhecimento e serão intensos durante todo o processo de duração que lhes for validado. O narrador de Noites brancas, jura sonhar involuntariamente com a estranha a partir do momento da despedida. Da mesma forma que a voz do soneto promete ser atento ao seu bem- amado e dar-lhe um espaço que jamais será preenchido por nada nem ninguém.
O elemento da solidão está presente em ambas as obras. O narrador de Noites brancas idealiza a hipótese de que depois que seu amor for embora, quase como uma certeza, tudo o que lhe restará será a solidão, a mesma que lhe acompanhava antes de o amor aparecer, mas isso, ele imagina antes mesmo de eles se encontrarem uma segunda vez, como um devaneio idealizador. A voz do soneto afirma de maneira realista que o fim acontecerá, mas que naquele momento, a veracidade de seu sentimento de fato existe. A chama tende a diminuir de intensidade com o tempo, ou até mesmo se apagar, já que nada é para sempre, de qualquer forma, o fim será a solidão.
            O soneto de fidelidade em seu último terceto fala sobre a infinitude presente no amor finito. O bem- amado pode ir embora um dia, a chama intensa da novidade pode se apagar, mas a intensidade, a fidelidade e a entrega serão elementos presentes enquanto ele durar. Assim como o amor de Noites brancas, apesar de viver sonhando e idealizando as mais distintas possibilidades, jura a seu amor a mesma fidelidade e a mesma intensidade até o final. 

Categoria:Cultura

Deixe seu Comentário